Em 30 de outubro de 2024, a Superintendência de Securitização de Agronegócio (SSE) publicou o Ofício Circular CVM/SSE 6/2024 (“Ofício Circular”), com o intuito de orientar e divulgar o seu entendimento sobre questões abordadas pelos participantes do mercado no que diz respeito à aplicação dos dispositivos dos Anexos Normativos II e III da Resolução CVM nº 175, de 23 de dezembro de 2022 (“Resolução CVM 175”). Em resumo, o documento aborda os diversos assuntos relevantes dentro da gestão de Fundos de Investimento em Direitos Creditórios (“FIDC”) e Fundos de Investimento Imobiliário (“FII”).
Em breve síntese necessária, a Resolução CVM 175, que entrou em vigor no dia 2 de outubro de 2023 – com exceção de temas específicos – renovou as regras sobre a constituição, o funcionamento e a divulgação de informações dos fundos de investimento, além de atualizar as regras referente à prestação de serviços aos fundos. Cada anexo normativo à Resolução prevê regras específicas para cada modalidade de fundo.
Em edição anterior da nossa Newsletter, tratamos do Anexo Normativo VI da Resolução, a regulamentação definitiva dos Fundos de Investimento nas Cadeias Produtivas do Agronegócio (FIAGRO).
O Ofício Circular objeto de discussão neste artigo focou na apresentação de entendimentos da Comissão de Valores Mobiliários (“CVM”) sobre temas objetos de questionamento dentro dos Anexos Normativos II e III, que dispõem sobre as regras específicas dos FIDC e dos FII, respectivamente.
1) Taxa de Gestão dos FII
A interpretação dada pela CVM quanto ao artigo 5º do Anexo Normativo III da Resolução CVM 175 contou com o entendimento de que, a contratação de um gestor é facultativa para FII que detenha menos de 5% (cinco por cento) do seu patrimônio líquido investido em valores mobiliários. Todavia, na eminência de existir a participação do gestor, a taxa de gestão será considerada um encargo do próprio Fundo, por expressa inteligência do artigo 117, inciso XVI, da Parte Geral da Resolução supracitada.
2) Emissões de novas cotas dos FII
A CVM ainda pontuou a inexistência de alteração no que tange às autorizações prévias para a emissão de novas cotas pelos FII, que, nos termos do artigo 48, §2º, inciso VII da Parte Geral da Resolução CVM 175, prevê que este Fundo poderá dispor sobre a possibilidade – ou não – de futuras emissões de cotas sem a necessidade de aprovação prévia em sede de assembleia de cotistas. Contudo, a competência para tal autorização, que antes era do administrador, passou a ser do próprio gestor do Fundo, dada a revogação expressa do artigo 15, §1º da Instrução CVM nº 472.
Caso haja duplicidade de função na pessoa do administrador, em que este assumirá o papel igualmente de gestor, a autorização será de sua competência.
3) Contratação de consultoria e de empresa especializada pelos FII
A SSE ainda fixou a separação funcional do gestor e do administrador acerca da competência para contratar consultoria e/ou empresa especializada que objetivem dar suporte as atividades relacionadas à gestão dos ativos imobiliários. Segundo sua justificativa, ao gestor compete exclusivamente as atribuições do complexo de valores mobiliários investidos, ao passo que, ao administrador, incumbe gerir os feitos relacionados aos ativos imobiliários, prestigiando o artigo 27, incisos II e III do Anexo Normativo III da Resolução CVM 175.
4) Responsabilidade pelo enquadramento dos FII
A Superintendência estabeleceu a interpretação quanto ao artigo 40, §4º do Anexo Normativo III da Resolução CVM 175, no que tange à posição tanto do administrador quanto do gestor no enquadramento da carteira do FII, uma vez o aparente conflito em relação ao artigo 89 da Parte Geral desta Resolução. Desta forma, os casos em que o FII invista menos de 5% (cinco por cento) do seu patrimônio líquido, bem como inexista gestor, a responsabilidade pela observância às regras de enquadramento e desenquadramento da carteira de valores mobiliários recairá sob o administrador.
Entretanto, por obviedade, caso o FII possua gestor, deverá ser consagrado o entendimento do artigo 89 da Parte Geral, assim, respeitada sua responsabilidade.
5) Responsabilidade das subclasses subordinadas de FIDC
A Resolução da CVM objeto de análise neste artigo, no seu artigo 6º da Parte Geral, estabelece que a limitação do fundo é decorrente do nível de sua classe, e, por consequência, caso esta seja de responsabilidade limitada, suas subclasses assim serão.
Contudo, não há impedimento, inclusive para que conste no regulamento dos FIDC – sendo requisito neste sentido -, que determinado cotista, se investidor na subclasse subordinada ao Fundo, seja chamado a integrar o capital para a recomposição do índice de subordinação, considerando que a responsabilidade limitada dos cotistas está tão somente vinculada à insolvência da classe.
6) Vedação prevista no artigo 42 do Anexo Normativo II (FIDC)
O artigo 42 do Anexo Normativo II da Resolução CVM 175 apresenta exceções à vedação na aquisição de direitos creditórios originados ou cedidos pelo administrador, gestor, consultoria especializada ou partes relacionadas quando (i) estes não sejam partes relacionadas entre si e (ii) a entidade registradora e a custodiante não sejam partes relacionadas ao originador cedente. Neste sentido, a SSE esclarece que, o termo “custodiante” mencionado nas exceções acima se refere ao responsável pela custódia dos direitos creditórios.
Ainda, por mandamento do artigo 13, inciso IV, alínea “b” do Anexo Normativo II, é inexistente a possibilidade de afastamento desta vedação quando as cotas da classe dos FIDC forem destinadas ao público em geral.
7) Prazo para registro dos direitos creditórios investidos pelos FIDC
Por determinação do artigo 134 da Parte Geral da Resolução CVM 175, os FIDCs em operação na data de 2 de outubro de 2023, qual seja, a data de entrada em vigor da Resolução, estão obrigados a se adaptarem às disposições do Anexo Normativo II e da Parte Geral da Resolução até o dia 29 de novembro de 2024, sendo o prazo limite para o registro dos direitos creditórios passíveis de registro dos fundos existentes em 2 de outubro de 2023, além do cumprimento das demais adaptações requeridas, conforme as orientações contidas no Ofício-Circular nº 8/2023/CVM/SSE e no Ofício-Circular nº 2/2024/CVM/SSE.
A SSE ainda, considerando que a norma não prevê um prazo para que os direitos creditórios sejam levados a registro – caso assim necessário -, salvo o prazo de registro de estoque existente em 2 de outubro de 2023 (conforme supramencionado), orienta que os administradores e gestores efetuem o registro dos direitos creditórios no menor prazo possível, inclusive, indicando que este deve fazer parte do processo de aquisição, por literalidade da norma, impedindo, assim, que um direito creditório que seja passível de registro ingresse na carteira dos FIDC sem o devido registro.
Excepcionalidades em situações concretas serão analisadas caso comprovada a impossibilidade da realização do registro no momento da aquisição, evidenciada através esforços do próprio gestor.
8) Registro do estoque de direitos creditórios vencidos (FIDC)
Por fim, ainda com relação ao tópico anterior, a SSE informa que, os direitos creditórios que estejam vencidos e não pagos quando da cessão ao FIDC não serão passíveis de registro, por interpretação e entendimento consolidado baseado no artigo 5º da Resolução CMN nº 4.593, de 28 de agosto de 2017. No mesmo sentido, compreende a impossibilidade do registro àqueles direitos que se tornaram inadimplidos até a data limite para adaptação dos FIDC, ou seja, até o prazo de 29 de novembro de 2024.
Salienta-se que a perda da qualificação dos direitos creditórios como passíveis de registro somente ocorre quando todas as suas parcelas estão em atraso. Todavia, não há impedimento para que o gestor mantenha tais direitos inadimplidos registrados.
Conforme vimos, o presente Ofício Circular divulgado pela CVM revela orientações que impactam diretamente a administração e a gestão dos FII e dos FIDC, razão pela qual a revisão dos regulamentos e procedimentos internos é fundamental para coibir eventuais riscos regulatórios. Os esclarecimentos prestados proporcionam mais segurança ao novo marco regulatório de fundos de investimento, a Resolução CVM 175, especialmente pela proximidade do prazo para adaptação dos FIDCs em estoque, que ocorrerá no dia 29 de novembro.
Mariana Saad
Mariana Trica