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Eichenberg, Lobato, Abreu & Advogados Associados - Especialista em Direito Imobiliário

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A importância do critério da boa-fé na aplicação da Lei do Superendividamento

O consumismo em massa e desenfreado, aliado à alta taxa de inadimplência das famílias brasileiras[1] e à evolução do mercado de oferta de crédito, produtos e serviços tornarem-se alvo de evidente preocupação do Poder Legislativo e Judiciário. Tais elementos foram, de fato, essenciais ao aperfeiçoamento e à inovação da regulamentação das relações de consumo.

Diante dos fenômenos e mudanças observados na sociedade consumerista, sobreveio a necessidade da criação de nova lei, visando desenvolver e incrementar os procedimentos extrajudiciais e judiciais frente à nova realidade das relações de consumo. Nesse sentido, fora sancionada a Lei nº 14.181/2021, denominada Lei do Superendividamento, que incluiu significativas novas normas no Código de Defesa do Consumidor, dispondo acerca da prevenção, combate e tratamento da situação de hipervulnerabilidade que passou a assolar parte da população brasileira.

Conceitua o Código de Defesa do Consumidor, com as alterações provenientes da nova legislação, o superendividamento como “a impossibilidade manifesta de o consumidor pessoa natural, de boa-fé, pagar a totalidade de suas dívidas de consumo, exigíveis e vincendas, sem comprometer seu mínimo existencial” (art. 54-A, §1º, do Código de Defesa do Consumidor). A renovada proteção legislativa, bem como os mecanismos de prevenção e tratamento dela oriundos, passaram a ser, portanto, estritamente aplicáveis ao consumidor superendividado, cujo comportamento frente às obrigações contratuais é permeado pela boa-fé.

Após o advento da lei, o Poder Judiciário fora abarrotado por processos judiciais, buscando o reconhecimento da situação jurídica de superendividamento frente a dívidas e “compromissos financeiros assumidos decorrentes da relação e consumo” (art. 54-A, §2º, do Código de Defesa do Consumidor), especialmente através de ações revisionais, visando a declaração de abusividade e nulidade de cláusulas contratuais, e de demandas objetivando a renegociação de débitos, fundamentadas na necessidade de garantia do mínimo existencial à sobrevivência e de proteção ao princípio da dignidade humana, direitos tutelados pelo art. 6º, incisos XI e XII, do Código de Defesa do Consumidor.

Dentro de uma sociedade de consumo, contudo, é inevitável a presença de comportamentos consumeristas irresponsáveis e descuidados de pessoas que se colocam frente ao inadimplemento intencionado e, com o objetivo de se escusarem das responsabilidades contratuais, utilizam-se da suposta situação de superendividamento como tese defensiva. Destarte, as relações de consumo em que constatada a evidente má-fé e fraude do consumidor que contraiu dívidas superiores à sua capacidade de pagamento, não devem ser regidas e regulamentadas pela nova legislação, o que, inclusive, fora previsto no art. 54-A, §3º, do Código de Defesa do Consumidor, com as alterações advindas da Lei de Superendividamento[2].

É evidente que, em grande parte dos casos que aportam no Poder Judiciário, a tese do superendividamento passou a ser utilizada de forma intencional e ludibriosa por consumidores que sequer fazem jus à proteção legal da nova legislação, e que impugnam dívidas regular e legitimamente contraídas, sob o falso argumento da impossibilidade manifesta de pagar a totalidade dos débitos.

Na busca pela transparência e segurança jurídica e, principalmente, pela efetividade da Lei do Superendividamento, deve ser feita uma análise criteriosa de cada caso, assim como do contexto em que o consumidor busca o reconhecimento e a configuração do superendividamento – por óbvio, não para se isentar das responsabilidades frente aos credores, mas para garantir à preservação do mínimo existencial e da vida humana digna.

Não se deve olvidar o alvo da nova legislação: aquele consumidor que não provocou o próprio superendividamento e que fora alcançado por fatores externos à relação de consumo, como as particularidades e contingências da vida, sobrevindo, deste contexto, o inadimplemento contratual. Por essas razões e somente nesses casos específicos, deve ser protegido pelo âmbito da Lei nº 14.181/2021[3].

A proteção ao consumidor superendividado pela nova legislação deve ser efetiva, criteriosa e extraordinária e, para tanto, é preciso proceder à distinção entre o consumidor de boa-fé e o de má-fé, de forma a não beneficiar aqueles cujo comportamento fraudulento e doloso, ao contrair dívidas sem a intenção de realizar o devido pagamento, é contrário às normas da ordem jurídica[4].

A aplicação da lei, portanto, depende da análise concreta do caso, em especial a conduta que levou o consumidor à situação de inadimplência, a fim de conferir os benefícios legais às pessoas que atuaram de boa-fé na contratação e na execução do negócio jurídico, bem como que se portaram conforme os parâmetros de honestidade e lealdade estabelecidos pelo ordenamento jurídico, excluindo-se aquelas cuja conduta fora claramente abusiva, buscando lesar terceiros com o inadimplemento das dívidas, sob o mero pretexto de se tratar de consumidor superendividado.[5].

Para tanto, no decorrer do deslinde dos processos judiciais, imprescindível a correta constatação da capacidade financeira do consumidor e de eventual dolo na sua conduta, a fim de se obter o devido reconhecimento da situação de hipervulnerabilidade e, consequentemente, providenciar a adoção dos meios necessários ao restabelecimento do equilíbrio entre as partes. Afinal, garantir a prática de crédito responsável pela sociedade e o devido cumprimento das obrigações contratuais pelas partes, valores que se alinham aos de nosso escritório, é o caminho para eficácia das normas de prevenção ao superendividamento. Ante a complexidade das questões abarcadas pela legislação ora debatida, a movimentação do Poder Judiciário com a realização de seminários e palestras reforçando a reflexão acerca do presente tema[6], bem como a recente discussão do fenômeno do superendividamento nos Tribunais de Justiça, o assunto vem sendo monitorado pela nossa equipe de advogados do time do contencioso cível do ELA Advogados.


Dayanna Flores


[1] Segundo o Ministro Og Fernandes, vice presidente do STJ, mais de 60 milhões de habitantes se encontram em situação de superendividamento <STJ promove seminário sobre superendividamento>. [2] PERES FILHO, José Augusto; SOUZA, Renee do Ó (org.). Direito do Consumidor. 2. ed., rev., ampl. e reform. Rio de Janeiro: Método, 2022. [3] GRINOVER, Ada Pellegrini [et.al]. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: comentado pelos autores do Anteprojeto do CDC e da Lei do Superendividamento.13. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2022. [4] BERGSTEIN, Laís, KRETZMANN, Renata Pozzi. Noções Práticas de Prevenção e Tratamento do Superendividamento: de acordo com a Lei nº 14.181/2021, que alterou o Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: Saraiva, 2022 [5] RIZZATTO, Nunes. Curso de Direito do Consumidor. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2021. [6] Seminário sobre superendividamento dos consumidores começa nesta quarta (30) com transmissão ao vivo < https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/2022/30112022-Seminario-sobre-superendividamento-dos-consumidores-comeca-nesta-quarta--30--com-transmissao-ao-vivo.aspx>

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