Eichenberg, Lobato, Abreu & Advogados Associados

31 de out de 20237 min

A Ação Renovatória nas Operações de Locação Comercial

Atualizado: 1 de nov de 2023

Muito embora comumente debatido ao final do período de locação, as possibilidades de interposição de Ação Renovatória nos contratos de locação comercial devem ser compreendidas desde o princípio da relação, pois exaurir seus pressupostos de admissibilidade, seguramente, prevenirá discussões futuras. Assim, será objeto do presente artigo uma análise dos pressupostos e alternativas à Ação Renovatória abordada pela revogada “Lei de Luvas” Decreto nº 24.150 de 1934 e, posteriormente, trazida, nos artigos 51, 52, 71 a 75 da “Lei do Inquilinato” nº 8.245 de 1991.

O intuito do legislador, ao dispor da Ação Renovatória, certamente, alinhou-se com a necessidade de promover maior proteção à relação comercial, mais precisamente, ao fundo de comércio, possibilitando a manutenção da operação estabelecida pelo locatário no imóvel do locador. É possível entender, portanto, que ao locatário criou-se a faculdade da renovação do contrato, ainda que esta não tenha sido aceita pelo locador, dando-se de forma forçada judicialmente.

Cabe ressaltar que o fundo de comércio pode-se caracterizar pelo hígido estabelecimento do locatário e sua operação em determinado local, ou seja, tudo o quanto foi construído pela relação comercial no decorrer do tempo, como ponto, clientela, marca, produto, bem como relevância econômica para o desenvolvimento da atividade comercial. Bem assim, a Ação Renovatória propõe, ao locatário que contemplar os pressupostos de admissibilidade previstos nos incisos I, II e III do artigo 51 e, nos incisos II, III, IV, V, VI e VII do artigo 71 ambos da Lei 8.245 de 1991, a possibilidade de renovar o contrato de locação por igual prazo sem que haja objeção do proprietário do imóvel, vejamos os requisitos:

"Art. 51.
 
I - o contrato a renovar tenha sido celebrado por escrito e com prazo determinado;

II - o prazo mínimo do contrato a renovar ou a soma dos prazos ininterruptos dos contratos escritos seja de cinco anos;

III - o locatário esteja explorando seu comércio, no mesmo ramo, pelo prazo mínimo e ininterrupto de três anos.

Art. 71.

II - prova do exato cumprimento do contrato em curso;

III - prova da quitação dos impostos e taxas que incidiram sobre o imóvel e cujo pagamento lhe incumbia;

IV - indicação clara e precisa das condições oferecidas para a renovação da locação;

V – indicação da garantia, se houver no contrato a renovar;

VI – Nas hipóteses de fiança, prova de que o fiador anuiu com o ato de renovação;

VII - prova, quando for o caso, de ser cessionário ou sucessor, em virtude de título oponível ao proprietário.”[1]

Importante destacarmos que não apenas o locatário possui a prerrogativa da Ação Renovatória, mas igualmente seu cessionário, sucessor e o/ou o sublocatário que sublocar a totalidade do imóvel, conforme prevê o parágrafo primeiro do artigo 51 da Lei 8.245 de 1991. Ainda que dita lei requeira que o prazo mínimo, ou a soma dos prazos de vigência do contrato de locação, seja de 5 anos ininterruptos, entende, Venosa, que “não se admite o somatória se houve locatários diferentes, que não sejam sucessores do locatário”.[2]

Muito embora se perceba que o instituto da Ação Renovatória possui uma característica “guarda-chuva” para o locatário, pois a este lhe é possibilitada a renovação compulsória do contrato de locação, o legislador buscou aclarar, expressamente, na Lei 8.245 de 1991, as hipóteses em que o locador poderá se opor à renovação contratual, vejamos o disposto nos incisos dos artigos 52 e 72, respectivamente, da referida lei:

"Art. 52.

I - por determinação do Poder Público, tiver que realizar no imóvel obras que importarem na sua radical transformação; ou para fazer modificações de tal natureza que aumente o valor do negócio ou da propriedade;

II - o imóvel vier a ser utilizado por ele próprio ou para transferência de fundo de comércio existente há mais de um ano, sendo detentor da maioria do capital o locador, seu cônjuge, ascendente ou descendente;

Art. 72.

I - não preencher o autor os requisitos estabelecidos nesta lei;

III - não atender, a proposta do locatário, o valor locativo real do imóvel na época da renovação, excluída a valorização trazida por aquele ao ponto ou lugar;

III - ter proposta de terceiro para a locação, em condições melhores;

IV – não estar obrigado a renovar a locação (incisos I e II do art. 52)." [3]

O locador deverá estar atento que, na hipótese de se opor a Ação Renovatória, esta oposição deverá se dar, estritamente, de forma a defender o direito que lhe possa caber e a matéria de fato abordada nos incisos dos artigos 52 e 72 referidos supra. Deste modo, os parágrafos 1º, 2º e 1º, 2º e 3º dos artigos 52 e 72, respectivamente da Lei 8.245 de 1991 referem que deverá o locador: (i.) na hipótese em que for utilizar o imóvel para uso próprio, este não poderá explorar o mesmo ramo do comércio praticado pelo autor da Ação Renovatória; (ii.) na hipótese de ser empreendimento shopping center, este não poderá opor à Ação Renovatória a prerrogativa para uso próprio do imóvel; (iii.) na hipótese de o valor proposto na ação, a título de locativo, não contemplar a monta que seria devida em função do valor real do imóvel na época da ação, apresentar, em contraproposta, o valor e as evidências que repute compatíveis para fundamentar o valor que melhor represente o locativo do imóvel; (iv.) na hipótese de possuir proposta de terceiros em melhores condições àquela proposta na Ação Renovatória, deverá juntar prova documental que fundamente a proposta recebida, que deverá estar firmada pelas partes interessadas e por duas testemunhas, bem como evidenciar o ramo comercial a ser explorado, o qual não poderá ser o mesmo que o do autor da Ação Renovatória. Cabe ressaltar, ainda nesta hipótese, que em fase de réplica, poderá o autor da ação aceitar as condições da proposta apresentada pelo locador, a fim de dar sequência na Ação Renovatória; e, (v.) na hipótese de, por determinação do poder público, ter de realizar alterações substanciais no imóvel objeto da Ação Renovatória, de maneira a alterar em demasia a sua estrutura do imóvel e/ou aumentar o valor da propriedade, a contestação deverá contar com prova da determinação do poder público ou relatório pormenorizado das obras com a estimativa da alteração do valor do imóvel, dito relatório deverá ser assinado por engenheiro habilitado.

A Lei 8.245 de 1991 trata de forma exaustiva o instituto da Ação Renovatória, pelo que se torna facilitada sua compreensão. Todavia, é comum que se enfrente, no dia a dia, dúvidas acerca do requisito prazo. Neste sentido, aclara-se, portanto, que a lei requer que o autor da Ação Renovatória possua contrato de locação com prazo vigente e, ainda, que este contemple o período de cinco anos, seja considerando apenas um contrato escrito ou a soma dos prazos de vigência dos contratos escritos no decorrer da relação locatícia até que se contemple os cinco anos requeridos.

Cabe aclarar que a expressão “ininterruptos” não poderá ser interpretada de forma literal pois, ainda que o contrato originário da locação não contemple o prazo mínimo de cinco anos para a propositura da ação, poderão ser considerados a soma dos prazos dos contratos escritos sendo esta soma, comumente denominada de accessio temporis. Exemplificativamente, um contrato de quarenta e oito meses e um aditivo de doze meses, somados, contemplam o requisito prazo. Entretanto, é comum que entre uma renovação e outra existam negociações, a fim de se estabelecer os melhores termos para o novo período avençado, pelo que o período de negociação dentre um instrumento e outro, ainda que relativize a expressão “ininterruptos”, não será considerado como fundamento de não cumprimento dos pressupostos de admissibilidade da Ação renovatória, vejamos o que refere Capanema:

“Se não houve solução de continuidade na ocupação do imóvel, se o aluguel continuou sendo pago, se a atividade comercial permaneceu a mesma, assim como as partes contratantes, os pequenos intervalos entre os sucessivos contratos não poderão inibir a ação renovatória, [...]”[4]

Certamente prevendo as discussões acerca do requisito prazo, a Lei 8.245 de 1991 busca, em seu artigo 51, parágrafo 5º, dispor do prazo para a propositura da Ação Renovatória, pelo que esta deverá ocorrer no “interregno de um ano, no máximo, até seis meses, no mínimo, anteriores a data de finalização do contrato”[5], sob pena de decadência do direito de postular a ação. Deste modo, busca-se prevenir que a relação locatícia adentre em prazo indeterminado, bem como acumule as indefinições de alugueres e eventual reposição do imóvel.

O instituto da Ação Renovatória não possui a pretensão de propor renovação de contratos por prazo superior a cinco anos, pelo que a jurisprudência se torna pacífica acerca do indeferimento de ações que visem renovações de contratos de locação comercial com prazos originários superiores ao previsto em lei. Resumidamente, pode-se afirmar que o prazo do novo período de locação objeto da Ação Renovatória será o mesmo que, ao autor, lhe conferiu o direito, ou seja, cinco anos, renováveis por iguais cinco anos.[6]

Considerando que a Ação Renovatória é um instituto processual fruto de um desacordo acerca da continuação da relação locatícia, é pacífico referir que a melhor e mais célere maneira de se estabelecer acordo acerca dos interesses das partes é administrativamente. Por fim, aconselha-se que locador e locatário sejam sabedores dos dispositivos legais que regem a relação locatícia, bem como sejam acompanhados de uma equipe jurídica capaz de dirimir dúvidas e compor soluções.

João Pedro de Carvalho Billo

Willian Cristian Cassenoti de Campos


 
[1]BRASIL. Lei nº 8.245, de 18 de outubro de 1991. Dispõe sobre as locações dos imóveis urbanos e os procedimentos a elas pertinentes. Brasília, DF: Presidência da República, [1991]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8245.htm. Acesso em: 26 out. 2023.


 
[2]VENOSA, Silvio de Salvo. Lei do Inquilinato Comentada: Doutrina e Prática. 15ª ed. São Paulo: Atlas, 2020, p. 313.


 
[3]BRASIL. Lei nº 8.245, de 18 de outubro de 1991. Dispõe sobre as locações dos imóveis urbanos e os procedimentos a elas pertinentes. Brasília, DF: Presidência da República, [1991]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8245.htm. Acesso em: 26 out. 2023.


 
[4]SOUZA, Sylvio Capanema de. A Lei do Inquilinato Comentada. 8ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2012, p. 213.


 
[5]BRASIL. Lei nº 8.245, de 18 de outubro de 1991. Dispõe sobre as locações dos imóveis urbanos e os procedimentos a elas pertinentes. Brasília, DF: Presidência da República, [1991]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8245.htm. Acesso em: 26 out. 2023.


 
[6] SCAVONI JÚNIOR, Luiz Antônio. Direito Imobiliário – Teoria e Prática. 15ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2020, p. 281.

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